o escombro das máquinas
enforcado numa árvore
que sonha com ferrugem
MAR MORTO
2022
O mar morto é um recorte da maré que paira estagnado dentro de um aquário branco translúcido, iluminado por raios azuis.
São oito placas de cartão lixo, de dimensões roubadas ao gesso do recto falso – sessenta por sessenta – dispostos em proporção de um para dois – centro e vinte por duzentos e quarenta – pautados por uma malha ortogonal – cinco por cinco de módulo – onde se desenha um rectângulo oblíquo que orienta a perfuração de quinhentos e tal buracos, feitos com um prego, através dos quais se prendem e penduram quinhentos e tal fios de pesca, nivelados a um metro e meio do tecto. Uma selva de oitocentos metros de linha, flutuando emaranhada, transparente, numa prisão de alforrecas secas. Quinhentos e tal estilhaços de vidro, de garrafas e montras partidas, colam-se um a um, com fita-cola de merda, a cada fio.
Molda-se inicialmente o perfil da onda morta, fixa-se este contorno e, então, preenche-se gradualmente o interior. Durante o processo, tudo se desfaz se entrelaça se quebra infinitas vezes. Ao final de cada dia varrem-se as peças caídas, substituem-se os ossos em falta no corpo suspenso.
Assim que inteiro, forra-se a sala com plásticos de cima abaixo, definindo-se um espaço de seis por seis módulos de tecto, um quadrado de trezentos e sessenta por trezentos e sessenta, cujo entorno é totalmente selado, numa tentativa falhada de quarto escuro, que apenas à noite não se deixa contaminar pelo sol. A forma destaca-se em contraste com a tela branca, subtilmente iluminada do chão por três LED’s brancos, envolvidos em celofane azul.
Os vidros alcoólicos tornam-se negros, apenas algumas pingas de vidro transparente reflectem brilhos marinhos. Sobra uma natureza morta, submersa num vazio aquático. A sensualidade de uma onda, ancorada pela violência matemática da trama de pesca. Um fluxo congelado, corrente estática que nos afunda em direccção ao fim. O petróleo consumindo toda a superfície, engolindo a matéria cristalina. As gotículas brancas quase extintas pela massa negra predadora, memórias tristes de água limpa, de algas conchas escamas corais respirantes.
Talvez seja um obituário este mar morto.