o escombro das máquinas
enforcado numa árvore
que sonha com ferrugem
MAR MORTO
2022
O Mar Morto nasce de uma incisão sobre a maré, do transplante de uma vaga, embalsamada em azul.
Placas de lixo, perfuradas a pregos, são presas no tecto do aquário, ancorando a queda de oitocentos metros de fio de pesca, emaranhados em repouso, como alforrecas murchas. Quinhentos estilhaços de vidro, de garrafas e montras partidas, penduram-se peça a peça, com fita-cola barata, à extremidade de cada linha. Ao escurecer, varrem-se os pedaços caídos, substituem-se os ossos em falta no organismo suspenso. Assim que inteiro, forra-se a sala com plástico translúcido, iluminado do chão por breves raios azuis.
A onda rebenta contra o muro do seu desenho. O corpo flutua em contraste com a tela branca, quem sabe sonhando fugir. Os vidros alcoólicos tornam-se negros, as lágrimas que restam reflectem os últimos brilhos marinhos. O petróleo alastra, engole matéria, consome a transparência da superfície. As gotículas cristalinas quase extintas pela massa predadora. Memórias tristes de água limpa.